domingo, 22 de março de 2009

quarta-feira, 11 de março de 2009

cultura surda

EXISTE UMA CULTURA SURDA?[1]
Profª Drª Nídia Limeira de Sá[2]

A despeito de os surdos não terem dúvidas quanto a suas identidades culturalmente distintas, as pessoas não-surdas têm muita dificuldade em admitir que os surdos têm processos culturais específicos, então, muitos continuam a tratar os surdos apenas como um grupo de deficientes ou incapacitados. Este texto trata da existência da cultura surda, cultura esta geralmente desconhecida e ignorada, tida como uma cultura patológica, uma sub-cultura ou não-cultura. Estas representações geralmente embasam as perspectivas comuns nas quais os surdos são narrados de forma negativa, como se fossem menos que “normal”.

Os elementos culturais constituem-se na mediação simbólica que torna possível a vida em comum. A cultura se expressa através da linguagem, dos juízos de valor, da arte, das motivações, etc., gerando a ordem do grupo, com seus códigos próprios, suas formas de organização, de solidariedade, etc. As culturas são recriadas em função de cada grupo que nelas se inserem. Os surdos são um grupo minoritário que está lutando para que sua cultura seja incluída, no contexto social, como legítima.
“Cultura”, neste texto, é definida como um campo de forças subjetivas que dá sentido(s) ao grupo. É através das interpretações baseadas na cultura majoritária que, na construção social da surdez, ocorre a valorização do modelo ouvinte, principalmente no processo educativo dos surdos. Trata-se de uma imposição subjetiva (às vezes até objetiva) sobre as identidades dos surdos, sobre sua subjetividade, sobre sua auto-imagem, ou seja, poderes são exercidos para influenciar os surdos a perderem sua identidade de surdo, para que sua diferença seja assimilada, disfarçada, torne-se invisível.
As culturas minoritárias geralmente convivem com os códigos da cultura que se considera dominante e pretensamente normalizadora. Na educação de surdos, por exemplo, é declarado o objetivo de “normalizá-los”. Neste discurso específico, “normalizar” aparece com o sentido de “igualar”, mas, na verdade, o surdo é visto como alguém que nunca pode ser “normal”, ou “igual”. “Normalizar” pode ser entendido como atribuir a uma identidade específica todas as características positivas possíveis em relação às quais as outras identidades são avaliadas de forma negativa, considerando que existe uma identidade eleita como “a melhor”, a correta, a perfeita.
Assim, neste embate, a cultura dos surdos se recria todos os dias, mas é desconhecida e ignorada, como uma forma de abafar o que é vivido e visto. Como o problema da surdez está localizado num corpo individual, a taxonomia médica é reproduzida e assegurada, perpetuando interpretações da surdez enquanto a experiência de uma falta ou enquanto uma incapacidade ou deficiência. A despeito de a surdez ser algo comum, a cultura surda é vista como “uma espécie exótica cuja identidade é destinada a decair e a desaparecer” (Owen Wrigley,1996, p. 94).
A construção da surdez a partir de diferentes concepções de muticulturalismo
Numa mesma sociedade existem várias culturas imbricadas umas nas outras, gerando a necessidade de se considerar um “multiculturalismo”, principalmente nas ações educacionais. No entanto, há várias noções de multiculturalismo. Então, convém destacar a concepção de multiculturalismo que chamamos para esta reflexão.
Este estudo não entende multiculturalismo como a necessidade de concessão que uma cultura maior/melhor deva fazer a outras culturas menores/piores. Multiculturalismo, aqui, também não subentende a noção de “cultura” como restrita a etnia, ou a nacionalidade, mas como um conceito que destaca formas de constituição de subjetividades que auxiliam na determinação e organização de grupos.
Carlos Skliar adverte (com base em Harlan Lane, 1990 e em Peter McLaren, 1997), que a surdez é construída a partir de concepções diferentes de multiculturalismo. Segundo ele, pode-se observar a concepção conservadora de multiculturalismo, segundo a qual, na abordagem à questão da surdez, há uma supremacia do ouvinte sobre os surdos, há um destaque para a biologização da surdez e dos surdos, há a priorização de todos os julgamentos pela perspectiva do mais “valoroso”, da “mais valia”, há a deslegitimação das línguas estrangeiras e dos dialetos regionais e étnicos, há a proclamação do monolingüismo, e, se usa o termo “diversidade” para encobrir uma ideologia de assimilação (1998, p. 1).
Pode-se observar, também, a concepção humanista e liberal, que exagera o papel da escola supondo que ela pode mudar as desigualdades, criando uma certa opressão para os que desejam a diferença ou para os que não podem alcançar esta suposta “igualdade”. Destaca, ainda, a concepção progressista, segundo a qual o conceito de diferença é aceito, mas trata-se de uma diferença pensada como essência; nesta se fala do surdo “verdadeiro”, do “surdo militante’, do surdo “consciente”, mas ignorando a história e a cultura que dão o suporte político à diferença.
Por último, o autor comenta a concepção crítica: a que destaca o papel que a língua e as representações exercem na constituição de significados e de identidades surdas; nesta, as representações de raça, de classe, de gênero, são vistas como o resultado de lutas sociais sobre signos e significações. Segundo esta perspectiva pode-se afirmar que existe uma cultura surda que se diferencia da cultura dos ouvintes por meio de valores, estilos, atitudes e práticas diferentes.
Ao abordar a questão da cultura surda, em nenhum aspecto quero absolutizar a divisão surdo/ouvinte, como se esta, e apenas esta, seja a única/melhor/principal divisão de categorias possível, ou como se a única característica de uma pessoa surda fosse a surdez, esquecendo-se das demais características que a constituem: como o fato de ser surdo/negro, surda/negra, surdo/branco, surda/branca, surda/mulher, surdo/homem, etc. Enfoca-se a cultura surda como uma das múltiplas determinações, sabendo-se que, nos estudos das demais culturas minoritárias, seja a da cultura negra, ou a da cultura indígena, ou a da cultura imigrante, lá está a presença de sujeitos surdos, que também são negros, são indígenas, são imigrantes, etc.
O que se dá é que, no estudo da constituição do tecido social – do qual os surdos também fazem parte - há que se desvelar as diversas posições de sujeito que se revestem de poderes particularizados, poderes estes que se constituem pelo fato de as pessoas terem/não terem tais e quais características. O objetivo neste texto, torno a repetir, não é absolutizar a surdez ou a audição, ou destacar a cultura surda em detrimento da cultura maioritária, mas, oferecer mais uma perspectiva de análise da constituição social. Não se trata de colocar a cultura surda de um lado, e a cultura ouvinte de outro, como se estivesse tratando de oposições binárias, mas trata-se da tentativa de proclamar os surdos enquanto grupo social, que também pela característica cultural se organiza.
Os surdos constituem grupos sociais que têm interesses, objetivos, lutas e direitos em comum, mas, sendo um grupo social, como outro qualquer, dentro de sua própria configuração, acontecem tensões semelhantemente verificadas em outros grupos. Owen Wrigley adverte que acontece freqüentemente, no meio da construção da cultura surda, que mecanismos de exclusão e de inclusão surgem também dentro desta, pois novas definições de identidade dos surdos passam a definir novos métodos (com freqüência priorizando o aspecto lingüístico) pelos quais os que não são membros da cultura, ou são membros periféricos, podem ser excluídos (os que apenas ouvem mal, os filhos ouvintes de pais surdos, intérpretes, pais de surdos, etc.) (1996, p. 17). Este autor ressalta que há que se observar que a surdez militante gera táticas excludentes com freqüência – práticas de exclusão contra as quais sua resistência teve origem. Os surdos, muitas vezes, não se dão conta das zonas intermediárias que são criações dinâmicas destas mesmas práticas.
As negações que são feitas à cultura surda
A questão da existência de uma cultura surda gera dificuldades e incompreensões em alguns. Carlos Skliar já advertia sobre o incômodo causado quando se faz referência a uma cultura surda; diz ele: “quando se trata de refletir sobre o fato de que nessa comunidade (de surdos) surgem - ou podem surgir – processos culturais específicos, é comum a rejeição à idéia da “cultura surda”, trazendo como argumento a concepção da cultura universal, a cultura monolítica. (...) A cultura surda não é uma imagem velada de uma hipotética cultura ouvinte. Não é o seu revés. Não é uma cultura patológica” (1998, p. 28). A visão de uma cultura patológica, de um corpo doente/deficiente, da experiência de uma falta ou de uma sub-cultura (ou não-cultura), é o que geralmente embasa as perspectivas comuns e profissionais de que os surdos são menos que “normal” (portanto, passíveis de serem enquadrados no modelo da “deficiência”).
Trago alguns exemplos de práticas discursivas através das quais a surdez vai sendo socialmente construída e determinada. Em discussões sobre a existência ou não de uma cultura surda, professores de surdos responderam[3]:
“Acho que os surdos não têm uma cultura própria, têm apenas algumas adequações.(...) Os surdos interagem com outros surdos, porque eles se entendem na sua linguagem, e se afastam dos ouvintes pela falta de compreensão, dando a ilusão de ter uma cultura própria”.
“O surdo na rua sempre chama a atenção das pessoas e isto é uma questão cultural. Por isto é que eles têm a cultura deles; são até um pouco ferrenhos nisso, e por causa disso talvez sejam até um pouco atrasados, porque insistem em demonstrar que têm a sua cultura e que não vão mudar por causa do preconceito dos ouvintes”.
A cultura surda é socialmente construída como uma sub-cultura, e o objetivo socialmente valorizado passa a ser: tornar os surdos “aceitáveis” para a sociedade dos que ouvem, por isto muitos surdos precisam ser “ferrenhos” ao oferecer resistência à negação de suas identidades. A resistência geralmente não é interpretada positivamente.
Destaco duas das formas de negação da cultura surda: ressaltar que todos os surdos são iguais (portanto, insignificantes), ou, que são iguais à cultura que os cerca, exceto que não podem ouvir. Assim, a possibilidade da diferença é silenciada. O que ocorre é que os surdos são obrigados, muitas vezes, a preterir os marcos de sua cultura em troca dos marcos superiores da cultura geral comum.
“Eu acho que o surdo realmente tem sua cultura, mas o mundo é na maioria ouvinte e ele tem que viver com as pessoas que o rodeiam”.
A surdez é construída como uma sub-cultura e, para tal, o critério quantitativo é recorrentemente solicitado. Na verdade, a questão não é que formam uma minoria, mas que trata-se de uma minoria “menos que normal” (Owen Wrigley, 1996, p. 2). O critério da quantidade (maioria ouvinte) geralmente é usado para justificar a hegemonia que os ouvintes pretendem exercer sobre os surdos.
Parece que a surdez também é narrada na base daquilo que Carlos Skliar e Ronice Quadros chamam de “quantidades indiscretas, manipuláveis e obscenas” (2000, p. 3). A surdez geralmente é tida como limitação e o espaço do convívio cultural e comunitário dos surdos não é valorizado como um “ambiente social” normal – normal costuma ser fingir que é ouvinte e freqüentar uma escola regular.
Segundo Carlos Skliar, as pessoas que têm dificuldade em entender a existência de uma cultura surda geralmente são pessoas que pensam que nada há fora de sua própria referência cultural, então, entendem a cultura surda como uma anomalia, um desvio, uma irrelevância. Geralmente estas pessoas desconhecem os processos e os produtos desta cultura surda: desconhecem o que os surdos geram em relação ao teatro, ao brinquedo, à poesia visual, à literatura em língua de sinais, à tecnologia que utilizam para viverem o cotidiano, etc. (1998, p. 28, 29).
Há grande dificuldade em entender a existência da cultura surda porque a maioria das pessoas baseia-se num “universalismo”. Segundo Owen Wrigley, “os universalismos, em todo discurso, são alimentados pela noção de que os seres humanos compartilham propriedades comuns. Esta busca de universalismos é acompanhada por atitudes de acomodação ou por estratégias usadas para neutralizar os desafios às definições hegemônicas. É aí que as culturas nativas dos Surdos sugerem formas para falarmos de um ‘universalismo vivido’, ‘de experiências da surdez”. Ora, os surdos “podem espelhar certos aspectos da cultura dominante que os circunda, mas também possuem raízes epistemológicas pelas quais esses aspectos foram legitimamente “declarados” ou “compreendidos” dentro da experiência nativa dos Surdos” (1966, p. 35). São exatamente estas raízes epistemológicas que fazem com que os surdos formem grupos culturalmente diferentes.
Geralmente as culturas são vividas em comunidades. Ora, não é difícil pensar que a comunidade é um grupo que compartilha aspectos comuns com os quais se auto-identificam. Então, embora alguns surdos insistam que todos os surdos compartilham a mesma cultura e normas, pode-se perceber que outras diferenças – de raça, de classe, de gênero, de educação, etc. – podem ser mais significantes que o “ideal” de uma comunidade uniforme, e isto não acontece apenas com a comunidade dos surdos.
Nas comunidades de surdos acontecem fenômenos sociais observados também em quaisquer outras comunidades, como, por exemplo, a existência de círculos de liderança pequenos, e desejadamente imutáveis, mantendo membros em posições de subordinação. A noção de “surdos legítimos” ou “politicamente corretos” pode reforçar estas ocorrências. Não é saudável alegar uma identidade, cultura ou perspectiva surda (ou Surda) unificadora, pois os surdos também se enquadram nas categorias de raça, gênero, classe, nacionalidade, condição física e em outras fontes de “diferença’.
Toda imposição cultural tem que ser vencida pela solidariedade – e os surdos, como qualquer ser humano, não estão imunes aos desejos de dominação e poder. É possível notar que muitos surdos, privados do acesso inicial à língua de sinais, por sua história de fracassos na educação oral, são outra vez estigmatizados quando ingressam na comunidade surda, usando a língua de sinais “como uma pessoa que ouve”. Suas parcas habilidades no uso da língua denunciam que não são “nativos”, então, sua legitimidade, enquanto membros da comunidade social dos surdos, acaba ficando comprometida. Se não houver cuidado quanto a essa questão, acaba-se reproduzindo exclusões semelhantes àquelas que estão sendo confrontadas.Ora, há que haver solidariedade na diferença, para que as conquistas políticas sejam menos sonhadas e mais concretizadas, ainda que se saiba que a luta por poderes sempre existirá.
Diferentes mas não desiguais
Os surdos formam grupos sociais diferentes dos daqueles que ouvem. Diferentes, mas não diversos, desiguais. É de extrema importância estabelecer a diferença entre as noções de diversidade e de diferença. A noção de diversidade “cria um falso consenso, uma idéia de que a normalidade hospeda os diversos, porém mascara normas etnocêntricas e serve para conter a diferença” (Skliar, 1998, p. 13). Para Skliar, a diferença, pelo contrário, não é um mero espaço retórico, antes, sempre está baseada em representações e significações que geram práticas e atitudes sociais. A surdez é, portanto, uma diferença, visto que “a surdez é uma construção histórica e social, efeito de conflitos sociais, ancorada em práticas de significação e de representações compartilhadas entre os surdos” (ibid, p. 13).
A cultura surda refere-se aos códigos próprios dos surdos, suas formas de organização, de solidariedade, de linguagem, de juízos de valor, de arte, etc. Os surdos envolvidos com a cultura surda, auto-referenciam-se como participantes da cultura surda, mesmo não tendo eles características que sejam marcadores de raça ou de nação.
Neste aspecto, sirvo-me de Owen Wrigley parta destacar um ponto fundamental: a importância do uso da língua de sinais. Diz o autor: “uma, senão a, característica que define a auto-identidade como pertencente a uma minoria lingüística ou étnica é ter e usar sua própria língua” (1996, p. 14). O uso da língua de sinais, então, pode ser entendido como um dos aspectos definidores da “auto-identidade” de uma minoria lingüística ou étnica, mas não significa, que para participar de uma “comunidade surda” tem-se que, necessariamente, usar/conhecer a língua de sinais. Os surdos e os que ouvem mas que participam da comunidade surda, o fazem por opção, por acercarem-se das questões que estão na base da problemática da surdez, seja por experiência própria, seja por afetarem ou por serem afetados por esta experiência (isto é bem mais amplo que saber usar corretamente a língua de sinais – sem negar que este é um importante aspecto de identificação).
Talvez pela importância que tem a língua de sinais como um dos principais aspectos identitários é que historicamente se verificou uma verdadeira violência institucional contra a comunidade surda - ao ser “sugerida” a proibição da língua de sinais nas escolas, desde o final do século XIX. Diríamos que historicamente ocorreu um verdadeiro “amordaçamento” da cultura surda. Ou, caso consideremos que a palavra “amordaçar” lembra “impedir a fala”, seria interessante dizer que houve uma “amarração” da cultura surda, pois literalmente as mãos é que eram amarradas, para que não pudessem utilizar a língua natural que dá suporte ao mundo cognitivo dos surdos. Ainda hoje, pela desautorização ou negação da diferença, tenta-se uma “amarração” da cultura surda, sob a perspectiva de que uma sociedade igualitária (sem diferenças) é a sociedade ideal.
Conclusão
Na verdade, a pergunta que está subjacente nesta problemática é: quem são os outros? As respostas não são claras nem definitivas. Quando se define quem são os outros aparece o conjunto de interesses difusos de domínio e de perpetuação, que nem sempre são conscientes. Há um conjunto de estratégias sócio-culturais de representação acerca dos outros, sobre os outros, que fazem com que barreiras sejam levantadas entre o eles e o nós.
Os indivíduos se organizam em grupos e os grupos, na sociedade, são assimetricamente situados, pois, onde há qualquer diferença há uma luta por poderes e saberes. Nossas relações sociais nos posicionam diferentemente, em diferentes momentos, em diferentes lugares, em diferentes papéis que exercemos. Ao mesmo tempo em que somos posicionados, posicionamos a nós mesmos. Por isto é imprescindível entender que as manifestações culturais da surdez não são manifestações de uma cultura patológica, mas de uma cultura legítima, que só enriquece a visão do que é “ser humano” – o ser que transcende a fala, mas que não transcende a linguagem. Eu diria, num trocadilho pretensioso, que o Verbo fez o homem, e o homem fez o verbo – foram feitos um para o outro, mas, independentemente da voz.
Respeitar, tolerar, suportar, entender a cultura alheia não deve ser menos comprometedor que traçar estratégias sócio-políticas para tornar visíveis as diferenças e agir em função delas. Ora, a afirmação das identidades e da diferença dos surdos traduz um desejo de garantir-lhes o acesso aos bens sociais enquanto direito, não enquanto concessão.
Para concluir, lembremos Owen Wrigley quando diz: “embora não possuam marcadores de raça ou de nação, os membros dessas culturas Surdas auto-referenciadas não têm dúvidas de suas identidades culturalmente distintas. Embora nominalmente membros de uma cultura dominante que os circunda, eles – alguns, mas não todos – vêem a si mesmos como separados dela e como membros de uma cultura Surda especificamente “nativa”. (...) Embora líderes Surdos enfatizem o quanto têm em comum com outras minorias (...) a ignorância justificada, exibindo-se à guisa da sabedoria comum, continua a tratar os surdos apenas como outro grupo de deficientes ou incapacitados” (1996, p. 32-34).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUENO, José Geraldo. Surdez, linguagem e cultura. In: Cadernos CEDES, São Paulo, n.46, 1998. p. 41–56.

SKLIAR, Carlos. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenças. In: ______. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998b. p. 7-32.

______.; QUADROS, Ronice. Invertendo epistemologicamente o problema da inclusão: os ouvintes no mundo dos surdos. São Paulo: Estilos da Clínica, 2000, vol 7. p. 72 - 95.

WRIGLEY, Owen. The politics of deafness. Washington: Gallaudet University Press, 1996.

[1] Texto extraído do livro: Cultura, poder e educação de surdos. São Paulo: Paulinas, 2006 (da autora).
[2] Mãe de surda, psicóloga, mestre e doutora em Educação, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, coordenadora do Espaço Universitário de Estudos Surdos (EU-SURDO).
[3] Tais enunciados fazem parte da pesquisa que realizei para a minha Tese de Doutorado, na qual entrevistei professores de surdos. SÁ, Nídia Limeira. A produção de significados sobre a surdez e sobre os surdos: práticas discursivas em educação. Porto Alegre: UFRGS/FACED/PPGEDU, 2001. (Tese de Doutorado).

Notas introdutórias sobre a análise do discursoParte 4 - Fundamentos da Análise do Discurso

Notas introdutórias sobre a análise do discursoParte 4 - Fundamentos da Análise do DiscursoEduardo de Araújo Carneiro e Egina Carli de Araújo Rodrigues Carneiro - Publicado em 11.07.2007O Discurso e o InterdiscursoO discurso é de natureza tridimensional. Sua produção acontece na história, por meio da linguagem, que é uma das instâncias por onde a ideologia se materializa. Por isso,

os estudos lingüísticos tradicionais não conseguem abarcar a inteireza de sua complexidade. Como o discurso encontra-se na exterioridade, no seio da vida social, o analista/estudioso necessita romper as estruturas lingüísticas para chegar a ele. É preciso sair do especificamente lingüístico, dirigir-se a outros espaços, para procurar descobrir, descortinar, o que está entre a língua e a fala (FERNANDES, 2005, p. 24). Para a Análise do Discurso, o discurso é uma prática, uma ação do sujeito sobre o mundo. Por isso, sua aparição deve ser contextualizada como um acontecimento, pois funda uma interpretação e constrói uma vontade de verdade. Quando pronunciamos um discurso agimos sobre o mundo, marcamos uma posição - ora selecionando sentidos, ora excluindo-os no processo interlocutório. Para Maingueneau, o discurso é “uma dispersão de textos cujo modo de inscrição histórica permite definir como um espaço de regularidades enunciativas” (2005, p. 15). Já Foucault diz “Chamaremos discurso um conjunto de enunciados na medida em que se apóia na mesma formação discursiva... ele é constituído de um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência” (2005). Os sujeitos falam de um lugar socialEste lugar no discurso é governado por regras anônimas que definem o que pode e deve ser dito. Somente nesse lugar constituinte o discurso vai ter um dado efeito de sentido. Se for pronunciado em outra situação que remeta a outras condições de produção, seu sentido, conseqüentemente, será outro. Na medida em que retiramos de um discurso fragmentos e inserimos em outro discurso, fazemos uma transposição de suas condições de produção. Mudadas as condições de produção, a significação desses fragmentos ganha nova configuração semântica (BRANDÃO, 1993). A unidade do discurso é um efeito de sentido, como Orlandi explica, “a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a idéia de curso, de percurso, de correr por, de movimento” (1999, p. 15). Os discursos se movem em direção a outros. Nunca está só, sempre está atravessado por vozes que o antecederam e que mantêm com ele constante duelo, ora o legitimando, ora o confrontando. A formação de um discurso está baseada nesse princípio constitutivo – o dialogismo. Os discursos vêm ao mundo povoado por outros discursos, com os quais dialogam. Esses discursos podem estar dispersos pelo tempo e pelo espaço, mas se unem por que são atravessadas por uma mesma regra de aparição: uma mesma escolha temática, mesmos conceitos, objetos, modalidades ou um acontecimento. Por isso que o discurso é uma unidade na dispersão. O discurso é o caminho de uma contradição a outra: se dá lugar às que vemos, é que obedecem à que oculta. Analisar o discurso é fazer com que desapareçam e reapareçam as contradições, é mostrar o jogo que nele elas desempenham; é manifestar como ele pode exprimi-las, dar-lhes corpo, ou emprestar-lhes uma fugidia aparência (FOUCUALT, 2005, p. 171). O discurso político pode ser um campo onde vários discursos semelhantes se alojam. Esses discursos se assemelham pelo objeto de suas análises, embora possam ter divergências quanto à interpretação do mesmo. Dentro desse campo, podemos fazer recortes menores, a fim de abstrairmos maiores semelhanças entre os discursos, como por exemplo, dentro do discurso político, podemos fazer uma opção pelo discurso anarquista. Mas toda identidade do discurso são construções feitas através do próprio discurso, por isso, permeável e passível de movências de sentido. Quando um discurso é proferido, ele já nasce filiado a uma rede tecida por outros discursos com semelhantes escolhas e exclusões. A metáfora da rede é pertinente para explicar o discurso: “Uma rede, e pensemos numa rede mais simples, como a de pesca, é composta de fios, de nós e de furos. Os fios que se encontram e se sustentam nos nós são tão relevantes para o processo de fazer sentido, como os furos, por onde a falta, a falha se deixam escolar. Se não houvesse furos, estaríamos confrontados com a completude do dizer, não havendo espaço para novos e outros sentidos se formarem. A rede, como um sistema, é um todo organizado, mas não fechado, por que tem os furos, e não estável, por que os sentidos podem passar e chegar por essas brechas a cada momento. Diríamos que o discurso seria uma rede e como tal representaria o todo; só que esse todo comporta em si o não-todo, esse sistema abre lugar para o não sistêmico, o não representável” (FERREIRA. In INDURSKY, 2005, p. 20). É por isso que o sentido do discurso não é dado a priori, pois a unidade é construída pela interação verbal, que é histórica e que mantém relação com uma ideologia. Somente nesse espaço o discurso consegue esconder sua polissemia. Não se trata, aqui, de neutralizar o discurso, transformá-lo em signo de outra coisa e atravessar-lhe a espessura para encontrar o que permanece silenciosamente aquém dele, e sim, pelo contrário, mantê-lo em sua consistência, fazê-lo surgir na complexidade que lhe é própria (Foucault, 2005). A linguagem e o Sentido Na ótica da Análise do Discurso, a linguagem não é um simples instrumento de comunicação ou de transmissão de informação. Ela é mais do que isso, pois também serve para não comunicar. A linguagem é o lugar de conflitos e confrontos, pois ela só pode ser apanhada no processo de interação social. Não há nela um repouso confortante do sentido estabilizado. O signo é uma arena privilegiada da luta de classe. Não se pode dizer o que quer quando se ocupa um determinado lugar social, pois este exige o emprego de certas representações e a exclusão de outras. Gregolin diz, “se temos hoje um sentido para dada coisa é porque houve um processo que o cimentou e organizou a exclusão do sem-sentido” (2001, p. 10). O sentido está inscrito na Ordem do Discurso. Basta descobrir as regras de sua formação para tornar evidente a polifonia que fez dela um nó de significância. Mas a polissemia afronta os sentidos oficiais, àquele que é desejado e prestigiado, rasgando a máscara que esconde a heterogeneidade reinante. Por isso, todo sentido cristalizado deixa entrever um rastro da história do jogo de poder que o instaurou nas malhas da linguagem. É por isso que o estudo da linguagem não pode estar apartado das condições sociais que a produziram, pois são essas condições que criam a evidência do sentido. Foucault (1999) esclarece que a produção do discurso é controlada, selecionada, organizada e distribuída, a fim de que seus “perigos e poderes” sejam conjurados. A Análise do Discurso é contra a idéia de imanência do sentido. Não pode haver um núcleo de significância inerente à palavra, pois a linguagem da qual o signo lingüístico faz parte é polissêmica e heteróclita. O signo não pode estar alienado de outros signos que com ele interagem. A linguagem está na confluência entre a história e a ideologia. Essa visão da linguagem como interação social, em que o Outro desempenha papel fundamental na constituição do significado, integra todo ato de enunciação individual num contexto mais amplo, revelando as relações intrínsecas entre o lingüístico e o social. O percurso que o indivíduo faz da elaboração mental do conteúdo, a ser expresso à objetivação externa – a enunciação – desse conteúdo, é orientado socialmente, buscando adaptar-se ao contexto imediato do ato da fala e, sobretudo, a interlocutores concretos (BRANDÃO, 1993, p. 10). A Análise do Discurso não toma o sentido em si mesmo, ou seja, em sua imanência. Não se acredita na existência de uma essência da palavra - um significado primeiro, original, imaculado e fixo capaz de ser localizado no interior do significante. Nesse sentido, podemos dizer que foi uma grande ilusão de Saussure achar que se poderia encontrar na palavra alguma pureza de sentido. Como alçapões, os textos capturam e transformam a infinitude dos sentidos em uma momentânea completude.... Inserido na história e na memória, cada texto nasce de um permanente diálogo com outros textos; por isso, não havendo como encontrar a palavra fundadora, a origem, a fonte, os sujeitos só podem enxergar os sentidos no seu pleno vôo (GREGOLIN, 2001, 10). A constituição do sentido é socialmente construída. A aparente monossemia de uma palavra ou enunciado é fruto de um processo de sedimentação ou cristalização que apaga ou silencia a disputa que houve para dicionarizá-la. “O sentido não existe em si mesmo. Ele é determinado pelas posições ideológicas colocadas em jogo no processo histórico no qual as palavras são produzidas” (PECHÊUX, apud BRANDÃO, 1993, p. 62). A incompletude é constitutiva de qualquer signo - qualquer ato de nomeação é um ato falho, um mero efeito discursivo. O discurso diz muito mais do que seu enunciador pretendia. “A multiplicidade de sentido é inerente à linguagem” (ORLANDI, 1988, p. 20). Por isso, o sentido é alvo do exercício do poder, principalmente em sociedades cujos governos são autoritários. Nos discursos oficiais, o sentido é atravessado por paráfrases, o mesmo é dito de várias formas para garantir que a monossemia se naturalize. A Análise do Discurso mostra a relação que existe entre a produção do saber que naturaliza o sentido, com o poder que estabelece as regras da formação do referido saber. Ou seja, revela toda a trama feita no transcurso da história para que o sentido pudesse ganhar uma forma monossêmica, um status de natural. De forma resumida, podemos ver a concepção de sentido para a Análise do Discurso no esquema abaixo: O sujeito do discurso e a subjetivação O sujeito da Análise do Discurso não é o cartesiano dos tempos áureos do iluminismo. Descartes (1596-1650) projetou um homem dono de si, senhor de seu próprio destino, consciente de suas ações e desejos, capaz de conhecer a verdade e alcançar a felicidade através da razão. O sujeito da Análise do Discurso não é o sujeito das Ciências Exatas, que se diz capaz de explicar o objeto através de um conhecimento imparcial. Um sujeito que está no exterior da realidade pesquisada e que observa o fenômeno com a distância suficiente para assumir um comportamento neutro diante do fato. O sujeito da Análise do Discurso também não é o da Lingüística Clássica, que o concebe ora como idealizado, ora como mero falante. O sujeito idealizado baseado na crença de que todos os falantes de uma mesma comunidade falam a mesma língua. O sujeito falante é o empírico, o individualizado, que “tem a capacidade para aquisição da língua e a utiliza em conformidade com o contexto sociocultural no qual tem existência” (FERNANDES, 2005, p. 35). Muito menos é o sujeito da Gramática Normativa que o classifica em simples, composto, indeterminado, oculto e inexiste. O sujeito do discurso não pode estar reduzido aos elementos gramaticais, pois ele é historicamente determinado. Na Análise do Discurso, para compreendermos a noção de sujeito, devemos considerar, logo de início, que não se trata de indivíduos compreendidos como seres que têm uma existência particular no mundo; isto é, sujeito, na perspectiva em discussão, não é um ser humano individualizado... um sujeito discursivo deve ser considerado sempre como um ser social, apreendido em um espaço coletivo (FERNANDES, 2005, p. 33). Para a Análise do Discurso, o sujeito do discurso é histórico, social e descentrado. Descentrado, pois é cindido pela ideologia e pelo inconsciente. Histórico, por que não está alienado do mundo que o cerca. Social, por que não é o indivíduo, mas àquele apreendido num espaço coletivo. “O sujeito de linguagem é descentrado, pois é afetado pelo real da língua e também pelo real da história, não tendo o controle sobre o modo como elas o afetam” (ORLANDI, 2005, p. 20). A Análise do Discurso defende uma teoria não-subjetiva do sujeito. Como explica Fernandes, “a constituição do sujeito discursivo é marcada por uma heterogeneidade decorrente de sua interação social em diferentes segmentos da sociedade” (2005, p. 41). Isso implica três coisas: o sujeito não ocupa uma posição central na formação do discurso; ele não é fonte do que diz; muito menos tem uma identidade fixa e estável. Na perspectiva da Análise do Discurso, a noção de sujeito deixa de ser uma noção idealista, imanente; o sujeito da linguagem não é o sujeito em si, mas tal como existe socialmente, interpelado pela ideologia. Dessa forma, o sujeito não é a origem, a fonte absoluta do sentido, por que na sua fala outras falas se dizem. (BRANDÃO, 1993, p. 92). O que define de fato o sujeito é o lugar de onde fala. Foucault diz que “não importa quem fala, mas o que ele diz não é dito de qualquer lugar” (2005, p. 139). Esse lugar é um espaço de representação social (ex: médico, pai, professor, motorista etc.), que é uma unidade apenas abstratamente, pois, na prática, é atravessada pela dispersão. A unidade é uma criação ideologia, é uma coação da ordem do discurso. Por isso, podemos dizer que o sujeito é um acontecimento simbólico. “Se não sofrer os efeitos do simbólico, ou seja, se ele não se submeter à língua e à história, ele não se constitui, ele não fala, ele não produz sentidos” (ORLANDI, 2005, p. 49). O dolo da unidade pode ser desmascarado pela polifonia inerente a todo sujeito. O sujeito é constituído por vários “eus”. Não há centro em seu ser, pois o seu interior está saturado por várias vozes, de modo que, quando fala, o seu dizer não mais lhe pertence: “Ele é polifônico, uma vez que é portador de várias vozes enunciativas. Ele é dividido, pois carrega consigo vários tipos de saberes, dos quais uns são conscientes, outros são não-conscientes, outros ainda inconscientes” (CHARAUDEAU, 2004, p. 458). O sujeito pode ocupar várias posições no texto. Um único indivíduo pode assumir o papel de diferentes sujeitos. O sujeito é caracterizado pela incompletude. Mas essa marca vai se apagando de acordo com a função enunciativa que o sujeito assume. Hierarquicamente esse apagamento acontece da seguinte maneira: locutor enunciador autor. O sujeito é um eu pluralizado, pois se constitui na e pela interação verbal. “É múltiplo porque atravessa e é atravessado por vários discursos, por que não se relaciona mecanicamente com a ordem social da qual faz parte, por que representa vários papéis, etc.” (ORLANDI, 1988b, p. 11). Não existe o sujeito sem o discurso, pois é este quem cria um espaço representacional para aquele. Talvez a grande contradição do sujeito seja o fato dele produzir o discurso e ao mesmo tempo ser produzido por ele. “O sujeito tem acesso a si a partir de saberes que são sustentados por técnicas” (SARGENTINI, 2004, p. 93). O sujeito é inventado pelo discurso através do processo de subjetivação. E Miriani nos alerta “... falar de subjetividade é falar de algo que é puro movimento, apreensível apenas num só-depois...” (2006, p. 8). O sujeito não aparece individualizado naturalmente. É preciso que o poder o disciplinarize e molde o seu comportamento conforme a ordem desejada. O sujeito se relaciona consigo mesmo através do discurso, discurso esse que não lhe pertence completamente, mas que é devassado pelo outro. É o olhar de um outro que permite a constituição de uma imagem unitária do eu. O eu só tem sentido quando o outro lhe atravessa. Não existe subjetividade sem a intersubjetividade. Não existe uma alteridade que esteja fora do eu, os dois não estão separados por uma fronteira bem definida, pelo contrário, ambos são um mosaico de vozes, que formam um saber sobre si e sobre o outro recalcado pelos jogos de poder. O discurso não é fruto de um sujeito que pensa e sabe o que quer. É o discurso que determina o que o sujeito deve falar, é ele que estipula as modalidades enunciativas. Logo, o sujeito não preexiste ao discurso, ele é uma construção no discurso, sendo este um feixe de relações que irá determinar o que dizer quando e de que modo. (NAVARRO-BARBOSA, in: SARGENTINI, 2004, p. 113). Somos acostumados a ligar um indivíduo a uma identidade, a nomear para familiarizar, generalizar para domesticar. Sem darmos conta, somos conseqüência da atuação de poderes múltiplos (família, escola, patronato etc.) que agem sobre nossas vidas para forjar representações de subjetividades e impor formas de individualidades. Foi o que Foucault chamou de Técnicas de Si, ou seja, procedimentos que fixam, mantêm e transformam a identidade, em função de determinados fins. Mas todo processo de subjetivação é falho, é lacunar, conseqüentemente, abre brechas para resistências. Pois não existem protótipos humanos biologicamente determinados a serem iguais uns aos outros. A subjetivação é instrumentalizada pela linguagem que, como já vimos, é opaca, não consegue nomear nada, sem que haja falha. A identidade do sujeito é um efeito do poder. “A identidade, assim como o sujeito, não é fixa, ela está sempre em produção, encontra-se em um processo ininterrupto de construção e é caracterizada por mutações” (FERNANDES, 2005, p. 43). Impossível é moldar uma forma que defina o sujeito sem essa relação que trava com o outro. Fernandes afirma que “compreender o sujeito discursivo requer compreender quais são as vozes sociais que se fazem presente em sua voz” (2005, p. 35). O poder é quem administra os saberes sobre o indivíduo de modo a traçar-lhes um perfil ideal e condicioná-los a serem passivos politicamente e ativos economicamente. A formação de um estilo de vida igual para todos os indivíduos de uma comunidade é uma tática para melhor controlá-los, de modo a fazê-los responder de forma previsível aos comandos emanados do poder. É isso que a Análise do Discurso chama de processo de subjetivação - a verdade que o poder cria sobre o sujeito para regulá-lo. BibliografiaBRANDÃO, Maria Helena Nagamine. Introdução a análise do discurso. ed. 2ª. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1993. BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à História Contemporânea. ed. 4°. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976. BARTHES, Roland. Crítica e Verdade. Trad. Ceyla Perrone-Moisés. ed. 7°. São Paulo: Perspectiva, 1970. CAFIEIRO, Carlo. O Capital: Uma Leitura Popular. ed. 6°. Trad. Mario Curvello. São Paulo: Editora Polis, 1900. CHARAUDEAU, Patrick. MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. Tradução Fabiana Komesu (et al.) São Paulo: Contexto, 2004. CEIA, Carlos. Dicionário de Termos Literários. 2005. Disponível em Acesso em 05 de janeiro de 2007. COURTINE, Kean-Jacques. Metamorfoses do Discurso Político: derivas da fala pública. Tradução: Nilton Milanez e Carlos Piovezani. São Carlos: ClaraLuz, 2006. DE CERTEAU, Michel. A escrita da História. Tradução Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. DUARTE, P. Introdução à semântica. ed. 2°. Fortaleza: UFC, 2003. FERNANDES, Cleudemar A. SANTOS, João B. C. (Orgs.). Análise do Discurso: unidade e dispersão. São Paulo: EntreMeios, 2004. FERNANDES, Cleudemar. Análise do Discurso: reflexões introdutórias. Goiânia: Trilhas Urbanas: 2005. FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. ed. 5°. São Paulo: Loyola, 1996. ______________. A arqueologia do Saber. ed.7°. Tradução Luiz Felipe Neves. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2005. GREGOLIN, M (Org.). Filigranas do discurso: as vozes da história. Araraquara: FCL/Laboratório Editorial/ UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2000. ______________. (et al.). Análise do Discurso: entornos do sentido. Araraquara: UNESP FCL, Laboratório Editorial. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2001. GREGOLIN, M. BARONAS, Roberto (org.). Análise do Discurso: as materialidades do sentido. 2° Ed. São Carlos, S.P: Editora ClaraLuz, 2003. GREGOLIN, M. Foucault e Pêcheux na construção da análise do discurso: diálogos e duelos. São Carlos: ClaraLuz, 2004. ______________. Michel Pêcheux e a História Epistemológica da Lingüística (p. 99-111). In: Revista Estudos da Linguagem. n° 01. Junho/2005. LEPARGNEUR, H. Introdução aos estruturalistas. São Paulo: Herder, 1972. LYONS, John. Linguagem e Lingüística: uma introdução. Rio de Janeiro: LTC, 1987. HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. INDURSKY, Freda. FERREIRA, Maria Cristina (Org.). 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Sociolinguística

Sociolingüística
Sociolingüística é a ciência que estuda a língua da perspectiva de sua estreita ligação com a sociedade onde se origina. Se para certas vertentes da lingüística é possível estudar a língua de forma autônoma, como entidade abstrata e independente de fatores sociais, para a sociolingüística a língua existe enquanto interação social, criando-se e transformando-se em função do contexto sócio-histórico.
Desenvolvida em grande parte por William Labov (1969, 1972, 1983), a sociolingüística permitiu o estudo científico de fatos lingüísticos excluídos até então do campo dos estudos da linguagem, devido a sua diversidade e conseqüente dificuldade de apreensão. Através de pesquisas de campo, a sociolingüística - inspirada no método sociológico - registra, descreve e analisa sistematicamente diferentes falares, elegendo, assim, a variedade lingüística como seu objeto de estudo.
A sociolingüística estuda a variedade lingüística a partir de dois pontos de vista: diacrônico e sincrônico. Do ponto de vista diacrônico (histórico), o pesquisador estabelece ao menos dois momentos sucessivos de uma determinada língua, descrevendo-os e distinguindo as variantes em desuso (arcaismos). Do ponto de vista sincrônico (mesmo plano temporal), o pesquisador pode abordar seu objeto a partir de três pontos de vista: geográfico (ou diatópico), social (ou diastrático) e estilístico (contextual ou diafásico).
A perspectiva geográfica é horizontal, ou seja, implica o estudo dos falares de comunidades lingüísticas distintas em espaços diferentes, mas em um mesmo tempo histórico. Os dialetos ou falares dessas comunidades produzem os regionalismos. Os estudos de caráter geográfico distinguem uma linguagem urbana - cada vez mais próxima da linguagem comum - de uma linguagem rural, mais conservadora, isolada, em gradual extinção devido em grande parte ao avanço dos meios de comunicação, que privilegiam a fala urbana.
A perspectiva social é vertical, ou seja, implica o estudo dos falares de diferentes grupos dentro de uma mesma comunidade. Os falantes são agrupados principalmente por nível sócio-econômico, escolaridade, idade, sexo, raça e profissão. Desta perspectiva, observa-se e analisa-se a distinção entre um dialeto social/culto (considerado a língua padrão) - que é preso à gramática normativa, é a língua ensinada nas escolas e está em estreita conexão com o uso literário do idioma e com situações de fala mais formais - e um dialeto social/popular (considerado subpadrão) - mais ligado à linguagem oral do povo e às situações menos formais de comunicação.
Sob a perspectiva estilística, por sua vez, o pesquisador estuda o uso que um mesmo falante faz da sua língua. Considera que o falante realiza suas escolhas influenciado pela época em que vive, pelo ambiente, pelo tema, por seu estado emocional e pelo grau de intimidade entre interlocutores. Tais fatores determinam a escolha do registro (ou nível de fala) a ser utilizado pelo falante quanto a: grau de formalismo (uso mais ou menos formal da língua); modo (língua falada ou escrita); e sintonia (maior ou menor grau de tecnicidade, cortesia ou respeito à norma, tendo-se em vista o perfil do interlocutor).

Bibliografia
LABOV, W. “Social stratification of English”. Language 45: 315-29, 1969.
--------------.Sociolinguistic patterns. University of Pennsylvania Press, Philadelphia, 1972.
--------------. “Language structure and social structure”. Trabalho apresentado na Conference on Qualitative and Quantitative Approaches to Social Theory, Chicago, Nov. 1983.
MARCELLESI, J.B. e GARDIN, B. Introdução à sociolingüística. Lisboa, Aster, 1975.
PRETI, D. Sociolingüística. São Paulo, Edusp, 1994.
TARALLO, F. A pesquisa sociolingüística. São Paulo, Ática, 1985.
TRUDGILL, P. Sociolinguistics: an introduction. Great Britain, Penguin Books, 1974.

Tatiana Piccardi

Pragmatica

9. Morris, Carnap e a Semiotica
Charles Morris, no livro Fundamentos da Teoria dos Signos, de 1938, dá uma das certidões de nascimento da Semiótica; ela seria um passo importante para um programa de unificação da ciência. Foi a partir dos escritos de Morris que se fixou o vocabulário que designa os principais ramos da semiótica, a sintática, a semântica e a pragmática. A contribuição de Morris, no entanto, logo foi eclipsada pelos estudos de Carnap, que prometiam levar adiante o sonho de unificação da ciência que ambos partilhavam. São de autoria de Carnap as primeiras definições e as investigações mais detalhadas desses ramos da semiótica. Carnap assim as apresenta: “Se em uma investigação é feita referência explícita ao locutor, ou, em termos mais gerais, aos utilizadores da língua, então tal investigação pertence ao campo da pragmática (se neste caso é feita referência também aos significados ou não, não faz nenhuma diferença para esta classificação). Se fazemos abstração do utilizador da língua e analisamos somente as expressões e seus significados, estamos no campo da semântica. E se, finalmente, fazemos abstração também dos significados e analisamos apenas as relações entre as expressões, estamos no campo da sintaxe (lógica).”A pragmática, segundo Carnap, consiste no estudo das expressões lingüísticas em relação às intenções do falante, na habilidade lingüística, crenças, audiência e contextos de uso.Se o falante e o ouvinte são eliminados da cena lingüística, o que permanece é a linguagem e a relação de suas partes à objetos, eventos, aos designata. Esse é o campo da semântica.No passo abstrativo seguinte removemos os designata e o que nos resta então são as expressões lingüísticas e as relações internas entre elas. Esse é o campo da sintaxe, que pode incluir a gramática das linguas naturais. Com a exclusão da gramática temos a sintaxe lógica. Cada uma das dimensões pode ser subdividida em ‘pura’ (ou ‘formal’), ‘empírica’ (ou descritiva). Carnap apresenta em primeiro lugar a pragmática e então diz: vamos abstrair o usuário e nos concentrar apenas nas expressões e seus significados; teremos assim o campo da semântica. Se fazemos abstração dos significados, teremos a sintaxe, como estudo das relações entre as expressões. Assim a sintaxe deve ser autônoma em relação às outras duas disciplinas; a semântica deve ser autônoma em relação à pragmática. E a pragmática, por sua vez ? Como diz Carnap, não faz diferença alguma a inclusão ou exclusão do significado das expressões no caso da pragmática. O que isso quer dizer ? No entender de Marcelo Dascal, “esta assimetria da posição da pragmática, se comparada a da semântica e a da sintaxe, tem conseqüências decisivas para o desenvolvimento do debate em torno da necessidade de se incluir um componente pragmático na teoria da linguagem. A consequência mais importante é que muitos defensores da pragmática, que implícita ou explicitamente se colocam dentro do quadro carnapiano, conceberão a sua defesa como sendo essencialmente um ataque à semântica. Sua estratégia consistirá em demonstrar a necessidade da pragmática através da demonstração da não autonomia da semântica em relação à ela.” Essa observação de Marcelo Dascal está endereçada aos estudos da lingüística mas pode ser ampliada para a filosofia da linguagem. Basta lembrar que ao apresentar essa divisão da semiótica Carnap esclarece que a pragmática será sempre uma investigação empírica, pois diz respeito ao que acontece com os falantes de uma dada língua. É sobre esta situação inicial da pragmática que se pratica a abstração que possibilitará a elaboração de uma semântica e de uma sintaxe, tanto empírica (no caso do estudo de uma língua ordinária) quanto pura ( no sentido lógico, de linguagens simbólicas artificiais, formais). Carnap não contempla a possibilidade de uma pragmática pura ou lógica pois isso lhe parece um contra-senso. O livro Fundamentos da Teoria dos Signos foi publicado em 1938, como segundo número do volume 1 da International Enclyclopedia of Unified Science, pela University of Chicago Press. Diz Morris na introdução: “O significado da semiótica como uma ciência reside no fato que ela é um passo na unificação da ciência, já que ela provê as fundações para qualquer ciência especial dos signos, tais como a lingüística, lógica, matemática, retórica e (em alguma medida ao menos) estética.” (Writings, p. 17)

terça-feira, 10 de março de 2009

libras...Curso

História da Educação dos Surdos


2.1 No Mundo Ocidental:


Antigamente na Idade Média, os surdos eram rejeitados pela sociedade, tratavam com rejeição, o eliminavam da sociedade (matavam), ou o isolavam, e até o escolhiam como “Guardadores Silenciosos”, não existe conhecimento de esforços por sua educação, é claro que a educação formal era um privilégio de poucos. Moores (pág. 69, 1978) tinha a seguinte opinião:

Durante a Antigüidade e por quase toda a Idade Média, pensava-se que os surdos não fossem educáveis, ou que fossem imbecis. Aos poucos textos encontrados referem-se prioritariamente a relatos de curas milagrosas ou inexplicáveis.

Os primeiros educadores de surdos surgiram no século XVI, em geral a educação não era comum nem para a elite, muito menos para o povo, os lugares de cultura era os conventos e os mosteiros, onde acontecia a educação formal dos filhos da nobreza. Os surdos que podiam se beneficiar do trabalho desses professores eram poucos, só aqueles pertencentes às famílias de poses. Pensava-se que houvesse um grande número de surdos agrupados, que poderiam ter desenvolvido algum tipo de linguagem de sinais do qual se comunicassem.
A partir desse período podem ser distinguidas, nas propostas educacionais vigentes, iniciativas antecedentes do que hoje chamamos de “oralismo” e outras antecedentes do que chamamos de “gestualismo”.
Com a tentativa de dar aos filhos da nobreza o domínio da língua falada, registra a história que Pedro Ponce de Leon (séc. XVI), monge beneditino espanhol, começou com a leitura e a escrita, passando depois para o treino da fala, utilizando, também o alfabeto digital.

Abade Charles M. De L’Epée foi o primeiro educador de surdo e criou uma escola pública para surdos, chamava-se “A Escola de Surdos de Paris”, ela foi um marco no esforço de educação dos surdos, Abade de L’Epée em contato com as classes populares surdas de Paris, reconheceu o valor da comunicação gestual – da Língua de Sinais, logo após criou um sistema de gestos para complementa-la, chamava-se “gestos metódicos”, que correspondiam às categorias gramaticais, sintáticas e morfológicas da língua francesa. Na Escola de Surdos de Paris existiam mais professores surdos que ouvintes, logo depois o “Método Francês”, foi ser conhecido como gestual em oposição ao oralismo puro. A proposta educativa defendia que os educadores deveriam aprender tais sinais para se comunicar com os outros; eles aprendiam com os surdos e, através dessa forma de comunicação, ensinavam a língua falada e escrita do grupo majoritário.
Esse modelo de Escola de Surdos de Paris se espalhou pela França, Europa e às Américas. O professore surdo Laurent Clerc e Thomas Gallaudet, fundaram no EUA na segunda década do século XIX, em Hartgod, o Asilo Americano para surdos, a partir daí o sucesso foi imediato, onde quer que houvesse uma boa quantidade de surdos. Outros renomados pedagogos oralistas desenvolviam outro modo de trabalhar com os surdos, por exemplo: Pereira, em Portugal, e Heinicke, na Alemanha, Heinicke é considerado o fundador do oralismo e de uma metodologia que ficou conhecida como o “método alemão”. Ele pensava que o pensamento só é possível através da língua oral, e depende dela, e a língua escrita teria uma importância secundária, devendo seguir a língua oral e não precede-la.
Em 1880, foi realizado o Congresso Internacional, em Milão, a partir daí aconteceu uma mudança completa nos rumos da educação de surdos. Esse congresso foi preparado por uma maioria oralista com o firme propósito de dar força de lei às suas proposições no que dizia respeito à surdez e à educação de surdos. Assim, a partir do congresso de Milão, no mundo todo, o oralismo foi referencial assumido e as práticas educacionais vinculadas a ele, foram amplamente desenvolvidas e divulgadas. Não sendo questionada por quase um século, os resultados de décadas de trabalho nessa linha, não mostraram grandes sucessos. Em maior parte dos surdos profundos não se desenvolveu a fala socialmente satisfatória e, em geral se desenvolvia parcialmente e tardia em relação à aquisição da fala apresentada pelos ouvintes, causando um atraso de desenvolvimento global significativo.
No início dos anos 50, foram desenvolvidas novas técnicas para que a escola pudesse trabalhar sobre os aspectos da percepção auditiva e de leitura labial da linguagem falada, surgindo assim um grande número de métodos, com a esperança que com o uso de próteses, se pudessem educar crianças com surdez grave e profunda a ouvir, e conseqüentemente, a falar. Para Trenche:

Para os oralistas, a linguagem falada é prioritária como forma de comunicação dos surdos e a aprendizagem da linguagem oral é preconizada como indispensável para o desenvolvimento integral das crianças. De forma geral sinais e alfabeto digitais são proibidos, embora alguns aceitem o uso de gestos naturais, e recomenda-se que a recepção da linguagem seja feita pela via auditiva (devidamente treinada) e pela leitura oralfacial. (1995, pg. 74)

Os estados Unidos fazem críticas aos métodos orais, pois apresentam limites mesmo com o incremento do uso de próteses.
Na década de 1960, surgiram os primeiros estudos sobre as línguas de sinais utilizadas pelas comunidades Surdas. Mesmo proibida pelos oralistas no uso de gestos e sinais, era raro encontrar uma escola ou instituição para surdos que não tivesse desenvolvido, às margens do sistema, um modo próprio de comunicação através dos sinais.
Com o descontentamento com o oralismo e as pesquisas sobre línguas de sinais, deram origem as novas propostas pedagógico-educacionais em relação à educação da pessoa Surda. Nos anos 70 surgiu a chamada comunicação total, o bimodalismo e o bilingüismo.
É possível constatar que, de alguma maneira as três principais abordagens da educação de surdos (oralista, comunicação total: bilingüismo e bimodalismo), existem com adeptos de todas elas nos diferentes paises, com seus prós e contras, essas abordagens abrem espaço para reflexões na busca de um caminho educacional que favoreça o desenvolvimento pleno dos sujeitos Surdos, e contribua para que sejam cidadãos em nossa sociedade.



2.2 No Brasil


Na época do Império, o principal personagem da história dos surdos não foi um brasileiro e sim um francês. Eduard Huet nasceu em 1822 e aos 12 anos ficou surdo, tinha família que pertencia à nobreza da França, se formou professor e emigrou para o Brasil em 1855.
Em 26 de setembro de 1857, com o apoio de D. Pedro II, fundou o Imperial Instituto de Surdos-mudos, hoje chamado de Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Ele começou alfabetizando sete crianças com o mesmo método do Abade L’Epée. Essa foi a primeira Escola a aplicar a língua de sinais na metodologia de ensino. Depois apareceram as demais escolas, seguindo essa linha, a maioria dos surdos, estudaram (estudam) nas escolas ditas especiais em classes especiais. Atualmente, há a tendência da escola inclusiva, existe defensores e críticos dessa tendência, uma escola puramente oralista. Nessas escolas como também nas poucas para surdos, apareciam, ondas da mesma comunicação total, que chegaram a ser tentadas.
No auge da quimera oralista, uma parte das crianças, houve a tentativa de educa-las em escolas regulares, em classes regulares. Esse é certamente um Direito.
Houve uma experiência gaúcha atual, que o Prof° Carlos Skliar acha que deve fazer referência, ela adota a comunicação total.
Em Pernambuco, o Instituto Domingos Sávio, já com história, ligavam-se a Igrejas Evangélicas como a Concórdia, a escola SUVAG de Pernambuco.
Faz parte da história também dos Surdos Liliane Vieira Longman, que muito se esforçou e esforça para mudar e atualizar a educação de surdos, sempre trabalhando pela causa dos surdos, em que acha a classificação uma pedagogia da discriminação onde menciona:

A conseqüência da classificação é a exclusão, porque toda classificação vem carregada de valor positivo e negativo. Porque classificar, significa incluir os seres humanos em conjuntos uniformes, e para tanto é preciso generalizar-se traços, comportamentos, predicados, logo, significa não toma-los como singulares ou substantivos. (março 2004)

A história brasileira da educação do Surdo se constitui basicamente de quatro fases: o Oralismo, a Comunicação Total, o Bimodalismo e o Bilingüismo.

a) Oralismo – Preocupa-se com o ensino da língua oral através de vários métodos, tais como: verbo tonal, leitura labial e outros. Aqui no Brasil, as pessoas que seguem a corrente oralista só ensinam a língua portuguesa e geralmente não aceitam a Língua Brasileira de Sinais, trazendo grandes prejuízos à Comunidade Surda.
b) Comunicação Total – Procura desenvolver todas as habilidades da comunicação: a fala, a audição, os sinais, leitura, escrita e outros recursos. Os usuários da comunicação total utilizam o bimodalismo.
c) Bimodalismo – É a utilização simultânea das duas modalidades de língua: a oral – auditiva e a gestual – visual. Na maioria dos casos ocorre uma grande dificuldade no aprendizado de ambas as línguas, deformando-as.
d) Bilingüismo – A prática de utilizar duas línguas de forma alternativa. Na educação, é a proposta mais adequada e utilizada por escolas que se propõem a tornar acessível à criança surda duas língua, no contexto escolar, considerando a língua de sinais como a língua natural, partindo desse pressuposto para o ensino da língua escrita.

O Surdo que utiliza a língua de sinais e a língua portuguesa pode se considerar bilíngüe. Para atender o Surdo em todo o seu desenvolvimento, é necessário definir estratégias de acesso das crianças Surdas ao bilingüismo propondo criação de um modelo de um núcleo de ensino, cuja arquitetura didático-pedagógica deve ser concebida levando em conta múltiplos fatores: a participação da comunidade Surda no ambiente da igreja; o conhecimento dos ouvintes da língua de sinais, respeitando sua autonomia; a formação de professores e monitores surdos; a elaboração de programas curriculares adequados que buscam o direito do Surdo de ser ensinado em sua primeira língua, de forma espontânea; a representação social da surdez na comunidade em geral; a participação da família no aprendizado da língua de sinais como um instrutor surdo criando um ambiente lingüístico favorável.
Lorena Koslowsk, menciona o bilingüismo no campo da educação dos Surdos como a existência de duas línguas, no ambiente do Surdo, reconhecendo que os Surdos vivem atualmente uma situação bilíngüe, e também que possuem uma cultura própria, que de ser reconhecida e respeitada, por isso qualquer programa bilíngüe deve ser um componente desta cultura.
Os Surdos brasileiros buscam outras alternativas de se comunicarem através da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), organizaram-se em forma de associações para viverem ai sua cultura, essas associações são lugares onde há uma rica convivência de Surdos, troca de experiência, lazer, esporte e, principalmente, o fortalecimento da identidade dos Surdos.
O principal objetivo da educação bilíngüe é que a criança Surda tenha um desenvolvimento cognitivo-lingüistico equivalente ao verificado na criança ouvinte, e que possa desenvolver com os ouvintes uma relação harmoniosa, tendo acesso às duas línguas, a língua majoritária e a de Sinais.
A criação das associações foi, sem dúvida, um passo decisivo para a autonomia dos Surdos. Com o passar do tempo, sentiu-se a necessidade de fundar uma organização nacional que atendesse a todas as pessoas Surdas do país. Como resultado da reunião de várias entidades que já trabalhavam com essa temática, em 1977 fundou-se a Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos – FENEIDA. Entretanto a representatividade dos Surdos estava comprometida, pois a nova entidade era composta apenas por ouvintes.
Como respostas à exclusão, em 1983 a comunidade Surda criou uma Comissão de Luta pelos Direitos dos Surdos, um grupo não oficializado, mas com um trabalho significativo na busca de participação nas decisões da diretoria. Até então esse direito lhes era negado por não se acreditar na capacidade de coordenação de uma entidade. Devendo à grande credibilidade adquirida, a Comissão conquistou a presidência da FENEIDA. Em 16 de maio de 1987, em Assembléia Geral, a nova diretoria reestruturou o estatuto da instituição, que passou a se chamar Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos – FENEIS. Hoje com 15 anos de existência, a FENEIS se orgulha do trabalho que vem realizando com esforços a consciência de que a audácia e a coragem fazem parte do dia-a-dia. Como menciona FURTER:

As pessoas deficientes de experiência ou habilidade lingüística não são permanentemente ou de um modo geral retardadas na habilidade intelectual, mas estão temporariamente atrasadas em seu desenvolvimento pela falta de experiência geral. (1984:34)

É uma entidade filantrópica, de cunho civil e sem fins lucrativos, a FENEIS trabalha para representar as pessoas Surdas, com caráter educacional, assistencial e sociocultural. Uma das suas principais bandeiras é o reconhecimento da Cultura Surda perante a sociedade. São atendidos pela FENEIS além de Surdos, familiares, instituições, organizações governamentais e não governamentais, professores, fonoaudiólogos e profissionais da área. Essa entidade representa os Surdos em organizações mundiais como a ONU, UNESCO, OEA, OIT, sempre trabalhando no sentido de garantir os direitos culturais, sociais e lingüísticos da Comunidade Surda Mundial.